domingo, 11 de dezembro de 2011

Retratos do Tempo

O silêncio parecia infinito, mas dentro da minha cabeça tocava uma orquestra de buzinas e sirenes misturadas com melodias tristes. No coração, mil facas fincadas. Contava os minutos para o horário do primeiro ônibus. O tempo, para mim, nunca havia passado tão lentamente como agora. Quinze para as cinco da manhã, finalmente. Levanto-me, calço os sapatos, saio pela porta da linda casa de madeira, atravessando a varanda com o olhar congelado no portão de ferro. Sem adeus nem até breve. Não desejaria viver aquilo novamente nem em outra encarnação.

Deixei meus passos pela rua escura e deserta, rumo ao ponto de ônibus. Juntei-me a um trabalhador, que cheirava a perfume barato. A condução chegou em 15 longos minutos. Quando o motorista acelerou, alguns pingos de água se espatifaram em minha janela. Agora chovia, intensamente. Chovia, lavando as ruas naquele final de madrugada. Chovia, a água carregando a sujeira de ontem para sempre, para o ralo, o sarcófago perdido de onde nunca mais este dia deveria ser retirado. Chovia, e em meio a chuva, o céu clareava, me mostrando que o amanhã, para a minha sorte sempre vem. Cheguei em casa, tomei um banho, um copo de leite e adormeci.

Desta vez, como fazia-se necessário, dormi sem sonhar.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Hasta Luego, Chile.



Hoje é meu último dia no Chile. O fim da aventura que sonhei por tanto tempo está se aproximando. Me sinto dividido. Estou feliz por voltar para casa, por ver meus amigos, por poder contar todos os detalhes do que vivi como uma forma de incentivar a todos que sigam seus sonhos. Mas Nao hesito nem um pouco ao dizer que aqui fiz uma segunda família. E a distancia dessa gente que deixo já comeca a me assombrar.

Anthony, Jacob, Willian, Brandon, Sarah, Taia, Marcela, Alejandra, Cony e Basti. Eu os amo, muito. Nunca tive tanta certeza de uma coisa na vida. Dizem que um jornalista nao deve misturar a sua matéria com aquilo que lhe é pessoal, mas dessa vez nao teve jeito. Nenhum jornalista, por mais durao que fosse, resistiria a estas pessoinhas hablando "tio, te quiero, voy extrañarte". Vou sentir saudades, e já me sinto diretamente conectado ao Chile, pelo resto da vida. Foi uma grande escola para mim, e espero que com tudo que aprendi, a vida daqui pra frente possa ser diferente. Espero tambem poder fazer a diferenca em outras vidas que nao a minha. Espero muitas coisas, e a base de tudo isso que eu vivi consiste justamente nisso: plantar, regar e esperar.

Plantar, regar, e esperar. Até que o broto se transforme numa araucária gigante como as do parque conguillio. Até que a árvore gigante de frutos. Até que os frutos caiam e se transformem em novos brotos. É a lógica da vida, muito bem pensada nao?

Viajando, saindo do casulo, da zona de conforto, a gente aprende que o mundo real pode carregar muito mais sonho, imaginacao e fantasia que qualquer livro. Afinal, as fantasias nascem da imaginacao de pessoas reais. E para sintetizar um sentimento que nao consigo sintetizar, vou deixar por ultimo um trecho do livro "Mar sem Fim", do Amyr Klink, que a minha amiga Paula me mandou pelo orkut:


"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv.
Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu.
Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor.
Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto.

Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa
arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não
simplesmente como é ou pode ser;
que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".



Assim me despeco da edicao chilena do Botas de Vento (sim, outras virao!). Agradeco de coracao a todo mundo que acompanhou, que twittou, que mostrou pros amigos, que elogiou, que reclamou ou nao gostou, enfim, que esteve ligado. Foi uma prova de que é possivel dizer e ser escutado sem vender a alma.

Obrigado, ou melhor...Muchas Gracias!
Hasta Luego!

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Obs: convido a todos para acessar a Galeria de Fotos. Aqui esta complicado upar as imagens pois os computadores sao muito lentos e as fotografias sao pesadas. Entao deixarei para upar as fotos que faltam no Brasil. A partir do dia 26 de Fevereiro todas elas estarao lá.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Manual sobre como (quase) se ferrar no Chile.

Olá pessoal! Hoje o post vai estar mais descontraído, pois nao quero ficar mais puto do que já fiquei nestes últimos dias. Sendo assim, vou pelo menos tentar ser bem humorado.

Parte 1 - A bicileta.




Na Ilha de Chiloé, próximo à cidade de Ancud, existe um lugar que se chama "Pinguinera". Obviamente voces já deduziram que alí nossos amiguinhos pinguins podem ser observados. Eu nunca havia visto um. Eis que tenho a "brilhante" idéia de alugar uma bicicleta e pedalar até là! Tcharam! Acordei cedo, tomei um café da manha reforcado, passei na loja que aluga as magrelas e me mandei rumo ao oceano pacífico. Pelos meus calculos seriam uns 40 km pedalando. 20 para ir, 20 para voltar. Na primeira parte do caminho, depois de alguns kilômetros pela "costanera" - estrada que acompanha a beira do mar - resolvi dar uma passeada por uma das praias. O mar estava um pouco revolto e as gaivotas, pra variar, gritavam. Fui pedalando pela praia mesmo durante uma meia hora até alcançar a costanera novamente. Tudo muito bom, tudo muito bem. De volta ao asfalto, comecei a apressar o pedal para chegar à pinguinera.

Quem pedala sabe que alegria de ciclista dura pouco. Depois de uma descida maravilhosa, com vento na testa e um belo visual, sempre, mas sempre ela vem: a subida. Pra quem é de Cuiabá eu juro, mas eu juro que essa que eu peguei era no estilo da rampa do Colégio Maxi. Nao teve jeito. Precisei descer da magrela e ir empurrando. Que vergonha! Depois de vencer a ladeira, tive uma surpresa um tanto desagradável: acabou o asfalto, metade do caminho era de terra. E foi entao que matei a saudade do interior matogrossense, onde há um fenomeno tipico na topografia de estradas da regiao, popularmente chamado de "costela de vaca". Mesmo com um bom amortecedor, isso faz você chacoalhar como se a bike se transformasse em uma britadeira. Percebi que a aventura estava ficando radical. Mal sabia eu que isso nao era nem a ponta do iceberg.

De repente, sem mais nem menos, sem nem um trovaozinho de aviso, começa a chover. Estrada de terra + costela de vaca + chuva: o resultado vocês já imaginam. Nao, eu nao tomei um tombo, hehe! Mas a pedalada ficou com o dobro de dificuldade. Tava mais fácil zerar Mortal Kombatt no hard. A sorte é que eu tive uma das minhas escassas idéias inteligentes: levar uma capa para nao molhar a mochila e a camera fotográfica.

Muita ladeira, água e lama depois, cheguei na tal pinguinera: um mar cinza e violentíssimo, que rebentava contra os penhascos e ilhotas pontiagudas. Mesmo sem as cores que nós brasileiros estamos acostumados e ver em praias, aquilo era um espetáculo bonito. Furioso, mas bonito. Na beira da areia havia 5 restaurantes. Perguntei pra um cidadao qual era o mais barato, e ele me apontou o ultimo deles. Alí comi salmao pelo menor preco da minha vida: 10 reais.

Tá, mas vocês devem estar se perguntando: "e os pinguins nessa história?". Surpresa! Estavam a muitos e muitos metros de distância, acessíveis somente a gringos endinheirados para pagar um tour de barco pelas ilhotas onde eles descansam.

Depois de tirar mais algumas fotos, e ver pontinhos brancos parecidos com pinguins, decidi rumar de volta para Ancud, afinal já eram 15:30 e eu teria que devolver a bicicleta às 18:00. Ainda nas primeiras pedaladas o inferno começou. Uma ventania violentíssima, acompanhada de chuva e um frio do cao! Simplesmente nao tinha como pedalar. Eu fazia toda a força do mundo e nao saia do lugar. Tinha que ir andando. Dentro de poucos minutos eu estava todo molhado. A jaqueta, o gorro, as botas, tudo! Adotei a seguinte estratégia: subidas andando e descidas pedalando. Mesmo assim as descidas eram muito perigosas. Nao foram poucas as vezes que uma rajada de vento lateral quase me derrubou. Depois de 10 km andados-pedalados, comecei a sentir algo bem parecido com medo. Estava ficando tarde, e em 1 hora e meia eu tinha percorrido somente 10 km. As pernas estavam esgotadas, a chuva cada vez mais pesada, o frio mais intenso. Comecei a pedir carona para todos os carros que passavam. Alguma alma boa havia de me tirar dessa enrascada.

Nesse dia eu entendi porque jesus nasceu numa manjedoura e nao numa cama de luxo com travesseiros de pena de ganso. Passavam centenas de caminhonetes de luxo, com suas carrocerias vazias, a uma velocidade estúpida. Nenhuma parava, nem pra saber o que eu tinha acontecido, se a bicicleta tinha quebrado, nada. Depois de mais uma hora, quando eu já estava muito, mas muito cansado mesmo, um caminhaozinho transportador de lenha, todo caindo aos pedaços, parou, e me salvou. Nesse dia, apesar de tudo que deu errado, o meu anjo da guarda me salvou, e dentro de alguns minutos eu estava na cidade de Ancud. Todo molhado e com frio, mas a salvo.

Pensei muito para postar essa história, porque sei que minha mae vai puxar minha orelha quando eu voltar pro Brasil, heheh. Desculpa mae!

Parte 2 - tentando sair de Chiloé.

Fiquei mais um dia em Ancud descansando e pensando o que fazer da vida. De aventuras radicais eu já estava satisfeito. Só queria um lugar bonito para passear e descansar. Resolvi ir para Castro, uma cidade no centro da ilha. A viagem foi curta, cerca de duas horas. Cheguei, encontrei um albergue barato e fui dar uma volta. Esta noite o frio pegou! Estava com uma camisa de manga longa, duas jaquetas, gorro, capuz e luva, e ainda sentia frio.

Em Castro nao achei nada de interessante para fazer e gastei quase todo meu tempo na internet. Muito entediado, resolvi que no próximo dia voltaria para Puerto Montt, almoçaria alí e já pegaria outro ônibus para Santiago, onde iria passar meus ultimos dias no Chile. E entao, hoje pela manha, peguei o tal onibus para Puerto Montt. Eis que depois de apenas 15 minutos de estrada, o busao para. Lá na frente só via uma fumaceira danada, e muita gente. Pensei que fosse um acidente, mas depois de 1 hora (sim! 1 hora parados na estrada!), vimos que era apenas uma manifestaçao. Sem faixas, sem palavras de ordem, sem um porque aparente. Até agora estou tentando descobrir porque aquelas pessoas estavam queimando pneus na autopista. O pior é que quando finalmente escapamos do piquete, os manifestantes nos deram um "tchauzinho" acompanhado de gargalhadas. Brincadeira meu!!

Quando finalmente chegamos em Ancud, o ônibus parou no terminal para pegar mais passageiros. Eu já estava morrendo de fome e sede. Perguntei a um dos motoristas de havia tempo para comprar um refrigerante. Ele, gentilmente me disse que sim. Lá fui eu a um balcao da rodoviária tentar matar a sede. Entao, quando olhei pra tras por acaso, sem mais nem menos o onibus ja estava saindo. Saí correndo, desesperado a dar a volta no terminal, para alcançá-lo do outro lado. Se eu perdesse esse onibus, estaria muito, mas muito ferrado. Alí estava minha mochila, minhas roupas, minha maquina fotográfica e boa parte do meu dinheiro. Por sorte o alcancei a tempo, já na saida do terminal. Indignado, abri os bracos para o motorista e perguntei o que havia acontecido, já que ele me disse sim, havia tempo para comprar um refrigerante. Me respondeu com um curto e grosso: "estamos atrasados". Que lindo! Estao atrasados, e largam os passageiros pelo caminho levando todos os seus pertences! Nem sequer chamam ou buzinam para avisar que o onibus está saindo. Foi sorte eu ter olhado para trás.

Bufando de raiva, ainda tive que esperar por mais uma hora para atravessar o canal de Chacao rumo ao continente, pois o tal motorista nao se decidia entre as plataformas de embarque, e perdemos duas balsas. Entao, depois de uma viagem que era pra durar 3 horas e durou 6, estou em Puerto Montt, de onde escrevo, pois todos os onibus de hoje para Santiago estavam lotados. Só saio daqui amanha às 4 da tarde.

Espero que eu acorde com o pé direito!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ilha das Gaivotas



Longe, muito longe de casa. Essa é a sensaçao de quem chega à Grande Ilha de Chiloé.

Localizada entre os paralelos 41º e 43º de latitude sul, é a maior das ilhas do arquipelago de mesmo nome. Primeiramente foi batizada pelos espanhóis como Nova Galícia, mas com o passar do tempo a denominaçao indígena original permaneceu: Chiloé, que no idioma dos índios Huilliche significa "Lugar de Chelles" (uma gaivota branca de cabeça negra).



Quando atravessava o Canal de Chacao - que separa o continente da ilha -, senti uma satisfaçao muito grande por estar no destino final da viagem. Lembrei de quando ainda estava no Brasil preparando tudo, pesquisando, trabalhando e juntando dinheiro. Lembrei de quando por acaso, explorando a terra pelo Google Earth - o que se tornou um hábito para mim - avistei esse grande pedaço de terra, abraçado pelo oceano pacífico. Vi, ainda pela web, seus palafitas, suas igrejas centenàrias, feitas de madeira e a história de fusao dos costumes mapuches com a cultura católica hispanica. Enfim cheguei.



Andando pelas ruas de Ancud - a primeira cidade a qual se chega depois de atravessar o canal - a sensaçao é a de estar num vilarejo dos filmes de Walt Disney. Parece que a qualquer momento posso topar com Gepeto e Pinóquio, Peter Pan, e outros personágens fantásticos. A vila inteira é construída de madeira, creio que para aguentar o frio incessante o ano todo. E quando se olha para o céu, sempre avista-se inúmeras gaivotas que gritam sem parar e afundam na água em busca de peixes.

Frio, mar cinza, gaivotas, casas de madeira. É...estou muito longe de casa. Longe do calor, do meu cachorro Nero, dos amigos da faculdade, da família. Finalmente cheguei. Mas chegar nao é o fim. É só o começo. Ainda tenho a ilha toda pra percorrer, ainda me falta um subir um vulcao em busca da neve, ainda me falta muita coisa aqui no Chile. Mas o que faltava dentro de mim, já quase nao falta mais.
Ando aprendendo muito com estes ventos frios da Patagônia. O principal é que aquilo que dizem sobre mudanças na alma definitivamente nao é lorota.
Disso somos testemunha. Eu, e a mística Chiloé. A ilha das Gaivotas.
Postado em Ancud - Ilha de Chiloé, Chile.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A Teia do Horizonte



Viajar é experimentar todas as sensacoes e paisagens da vida com muita intensidade e num período curtíssimo de tempo. Alegria, tristeza, beleza, miséria, amizade, solidao, encontros e despedidas. Há uma música, que se nao me engano é do Chico César, mas ouvi na voz do Renato Braz, que diz assim: "caminho se conhece andando, e de vez em quando é bom se perder. Perdido fica perguntando, vai sò, distraìdo, e acha sem saber". Sábias palavras. Quando planejamos uma grande aventura, ou mesmo uma ida até a esquina, subestimamos o poder do acaso ou do destino ou dessa forca que nos poe de encontro a algumas pessoas e lugares. Essa forca é uma das coisas mais intrigantes da vida. A teia de acasos, encontros e desencontros. "E se eu nao estivesse naquela esquina? E se o onibus atrasasse 5 minutos? E se eu demorasse um pouco mais no banho?" É o famoso efeito borboleta. Um bater de asas num canto do mundo, pode causar um furacao do outro lado. Pequenas coisas mudam uma vida.

Quando estou no caminho entre uma cidade e outra aqui no Chile, vem na cabeca esse tipo de pensamento. Fico recordando as coisas que se encontraram e desencontraram para que hoje eu estivesse aqui. Qual a minha parcela de influencia nisso? Permancece ainda um mistério. Nao sei quem ou o que controla isso tudo. O homem ou seu destino? Viajar é cair de cabeca num mar de beleza e imensidao que no final das contas pinta um quadro infinito de imaginacoes sobre isso que é a vida. E quantas vezes eu já disse a palavra vida até aqui, nao?

Estou em Puerto Montt, e breve irei para a Ilha de Chiloé. Um lugar longinquo e místico, onde talvez eu aprenda mais sobre esse negócio estranho e bonito que é viver!

Hasta Luego!