Natureza Selvagem

Alguém aí já viu o filme "Na Natureza Selvagem" (Into the Wild)? As imagens dessa pelicula me vieram varias vezes na cabeca durante os últimos dias.

Na terca feira, saí de Temuco e fui para Curacautín, uma pequenina e bela cidade que fica perto de dois parques nacionais chilenos: Conguillio e Malalcahuello. Nos meus planos estavam ir até Conguillio. Quando cheguei a Curacautín tive uma surpresa um tanto desagradável: nao existem linhas de onibus até o parque. Nem sequer passam perto. A única forma de locomocao até lá para quem nao dispoe de um carro é um táxi. Quis desistir de tudo. Sentei num banco e passei uma hora pesquisando meu mapa e pensando o que faria da vida. Um taxi para o parque nacional me custaria 18.000 pesos, algo como 70 reais. Mucha plata! Depois de pensar muito, disse a mim mesmo: "bem, estou no chile, planejei isso como pude, nao vou dar pra trás agora". Decidi pagar os 140 reais. 70 para ir e 70 para voltar. Nunca havia gastado tanto dinheiro de uma vez só na viagem, e sabia que talvez isso iria comprometer uma parte dos planos. Mesmo assim fui. Dali a pouco, descobriria que foram os 140 mangos mais bem gastos da minha vida.

A estrada até o Parque Conguillio é estreita e cheia de pedregulhos. A paisagem vai mudando rapidamente. Uma hora se está numa paisagem desértica de rochas vulcanicas negras, outra hora se adentra uma densa floresta de araucárias milenares gigantes. A sensacao gerada é como a psicodelia de instalacoes de videoarte. Tudo vai passando rápido, e voce fica de boca aberta.

O táxi finalmente me deixou na entrada do parque, pois tive outra surpresa: a estrada até o camping estava intransitável para veículos de tracao simples por conta da chuva do dia anterior. Peguei minha mochila, botei nas costas e agora teria 6km de pedra e barro pela frente.

No início do caminho, conheci a Laguna Captrén, onde vi de perto a Sierra Nevada e percebi o que me aguardava mais a noite: muito frio.

Depois de 6km, andarilhando por uma hora, e cantando em voz alta para passar o tempo, alcancei o tal camping. Já era quase noite, quando comecei a armar a barraca. Tive a terceira surpresa desagradável do dia: minha lanterna nova, que eu paguei 25 reais simplesmente nao funcionava. Com a velha teimosia herdada do meu avo, decidi que iria conserta-la. Bastaram dois minutos para que eu quebrasse a lanterna, que agora era só um tubo de plastico sem utilidade alguma. Fui forcado a pedir uma lanterna emprestada a 3 chilenas que montavam suas barracas logo ao lado. Acabamos batendo um papo, tomamos a famosa Piscola (mistura de pisco - bebida tipica chilena - com Coca Cola) para esquentar o frio, e depois fui dormir, ou melhor, tentar dormir.

O frio de rachar foi amenizado pelo saco de dormir que emprestei ainda em Sao Paulo dos meus amigos Vitao e Talyta, muito obrigado pessoal! O que nao me deixou dormir direito foram os pensamentos que nao abandonavam minha mente. Agora eu estava ali, só, no meio de uma selva, muito, mas muito longe de casa.

Acordei 7 horas da manha debaixo de um frio extremo, pelo menos para mim, que venho da cidade mais quente do Brasil. Creio que fazia cerca de 0, ou -1 graus. O lago, que ficava em frente ao local do acampamento me mostrou um espetáculo. De manha, por conta da baixa temperatura, a superficie da agua exala uma densa névoa, que misturada com os primeiros raios de sol criam uma paisagem paradisiaca diante dos olhos. Nao hesitei, e mesmo sem sentir a ponta dos dedos fui pegar a camera para tirar umas fotos. Ali fiquei cerca de 2 horas, registrando as imagens do amanhecer.

Quando voltei para o acampamento, a quarta surpresa! Um funcionário do parque apareceu para dizer que eu nao poderia estar ali. O camping era em uma clareira ao lado, que nao vi, pois quando cheguei ja era noite. Perguntei o que teria que fazer e ele me disse que o acampamento "oficial" nao tinha mais vagas. Isso significa que eu teria que me mandar.

Humildemente, desmontei minha barraquinha da Campus Party, organizei a mochila e comecei a marchar de volta os mesmos 6 km, que dessa vez me custaram 2 horas pois havia muita subida, e muito barro. Esgotado, cheguei na entrada do parque e fiquei em frente ao vulcao Llaima, admirando aquela imensidao e esperando o taxi que viria me buscar.

Foi ali que lembrei do Christopher Mclandess, personagem principal do filme que mencionei no inicio. Há uma parte, para mim a mais significante, em que Chris, depois de passar vários dias em meio a uma linda regiao do Alasca, escreve em seu diário: "a felicidade só é real quando compartilhada". Essa foi a minha sensacao. Conheci um dos lugares mais lindos do mundo. E só pude compartilhar com voces através das fotos que postei aqui. Estou aprendendo muito sobre a vida, sobre a solidao, e a importancia das pessoas, que quando querem, podem ser mais espetaculares que qualquer cordilheira.

Postado em Curacautín, Chile